22 anos de Live Through This

12 de abril de 1994. Hole lança seu Live Through This, um dos álbuns que, ao lado de Nevermind e Siamese Dream, mais representam o espírito do rock alternativo no início da década de 90. Live Through This é um soco no estômago, uma daquelas experiências musicais com um lirismo único e voz forte. Courtney Love, Eric Erlandson, Kristen Pfaff e Patty Schemel nos dão 38 minutos de pura intensidade.

Quer saber qual é a de um dos álbuns mais polêmicos da história do rock?

Sempre fico triste quando leio menções a grandes bandas dos anos 90 ou álbuns marcantes e vejo Hole como um pé de página. A verdade é que Hole é uma banda extremamente consistente, com um estilo bem interessante ora punk, ora melódico, e letras inteligentíssimas. Courtney Love escreve sobre a experiência de ser mulher de uma maneira brilhante. Ao longo das letras do Hole, ela vai falar de violência, maternidade, abuso, distúrbios alimentares e auto-imagem de um jeito que nunca se falou no rock mainstream. Se Courtney fosse homem, seria um rockstar venerado por sua figura polêmica e ousada, mas como é mulher, as coisas são bem diferentes. E Live Through This guarda Hole em sua melhor forma.

O título, que significa numa tradução livre “sobreviver a isso” é uma menção ao romance E o Vento Levou, de Margaret Mitchell. E tem muito “isso” no álbum. Com letras agressivas e um instrumental simples, mas desesperado, Live Through This é difícil de dirgerir se prestarmos atenção demais. Fala de uma realidade violenta e melancólica da condição de mulher. Para se ter uma ideia, o álbum tem faixas com os nomes “Doll Parts”, “Jennifer’s Body” e “Asking for It”.

“Violet” é para mim o exemplo mais forte da ideia de Live Through This: “When they get what they want, they never want it again. Go on, take everything”. Banalização, objetificação do corpo feminino. O clipe é genial: primeiramente as bailarinas sendo admiradas no palco, exemplo da beleza pura e casta, um contraste com as dançarinas de cabaret, a beleza do pecado. Nos dois mundo, os homens consomem os corpos daquelas mulheres e a imagem final do clipe, do corpo de bailarina sendo estraçalhado pela multidão, dá arrepios enquanto Courtney grita “Take everything”.

O tema da mulher como objeto está no álbum inteiro. “Miss World” é certamente uma das músicas mais tristes que já ouvi. A solidão e posterior alienação da figura de uma modelo funciona como uma metáfora da condição feminina, da mulher que sofre imposições sociais destruidoras, mas se convence a ficar calada. Live Through This vai ser ainda mais enfático com essa perspectiva ao apresentar o lado feio e tabu da gravidez em “Plump” (“they say I’m plump, but I throw up all the time”), estupro em “Asking for It” (“Was she asking for it? Did she ask it twice”) e violência em “Jennifer’s Body” (“pieces of Jennifer’s body”).

Eu confesso que não consigo entender como alguém ainda acha que foi Kurt Cobain quem escreveu essas músicas. Courtney Love aborda temas a partir de uma perspectiva muito mais crítica e pesada que Kurt. Inclusive, Hole já mostrava essa tendência em seu primeiro álbum, Pretty on the inside, com músicas que já falavam de questões sociais envolvendo mulheres e violência. Um exemplo clássico sendo “Teenage Whore“.

Obviamente Live Through This é a tentativa do Hole de chegar ao mainstream e é no mínimo irônico que o álbum tenha conseguido isso em circunstâncias tão apropriadas ao título. Gravado em outubro de 1993,  foi lançado uma semana depois do suicídio de Kurt Cobain. Depois de dois meses, a baixista Kristen Pfaff morreu numa overdose de heroína. Hole teve que literalmente sobreviver a isso tudo num dos capítulos mais polêmicos do rock.

Certamente subjugado e ao mesmo tempo hipermediado, Live Through This é um álbum inesquecível. Um ponto de vista corajoso e crítico sobre a condição das mulheres feito por uma das mulheres mais controversas (e talentosas) do rock mundial. Se você nunca ouviu, ouça. E veja se você consegue sobreviver a isso, sabendo que em 22 anos nada ainda mudou para nós mulheres.

 

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