A verdade inconveniente das Runaways: a história do abuso de Jackie Fox

Todo fã sabe que sempre houve algo de muito podre no reino das Runaways. Em Edgeplay, documentário sobre a história da pioneira all-girl rock band estado-unidense, Sandy West diz que as garotas sofriam todo tipo de abuso por parte do produtor, Kim Fowley. Se havia abuso sexual? Sandy termina dizendo que não é ela quem deve ser indagada sobre o assunto.

Jackie Fox e Cherie Currie em 1976.

E não era mesmo. Faz algumas semanas que Jackie Fuchs (mais conhecida como Jackie Fox, baixista da banda) revelou para o jornalista Jason Cherkis um episódio chocante: na noite de ano novo de 1975, ela foi drogada e estuprada por Kim Fowley num quarto lotado de pessoas. O ato em si já é revoltante, mas mais absurdo ainda é que o mundo não tem tratado as mulheres de forma diferente nesses últimos 40 anos.

Muita gente tem me cobrado para comentar do assunto, uma vez que fiz uma série de posts sobre a banda, traduzindo informações até então inéditas em português. Confesso que tive algumas dificuldades para escrever esse post. A primeira, de ordem totalmente pessoal, é relativa a minha falta de tempo em finais de bimestre. A segunda é porque o assunto foi exaustivamente comentado na blogosfera em inglês (e coisas nem sempre boas e relevantes) e a última é de que eu precisava de certo tempo para digerir uma história tão horrível.

Pesquisando tanto sobre a banda nos últimos anos, sempre houveram indícios de que algo realmente traumático tinha acontecido, apesar de não ser possível dizer com quem. Cherie Currie (vocalista) era alvo de Fowley no quesito assédio moral, sofrendo humilhações constantes em gravações e ensaios. Jackie Fox (baixista) levava a pior de constantes reprimendas por parte de suas colegas de banda e sua saída da turnê do Japão envolveu uma tentativa de suicídio. Sandy West (baterista) se envolveu com drogas pesadas, crime e posteriormente uma depressão severa. Vickie Blue (baixista pós-1977) tinha ataques de esquizofrenia que eram escondidos pelo resto da banda e produção. Joan Jett (guitarrista e vocalista) prefere viver num mundo paralelo onde essas coisas nunca aconteceram enquanto Lita Ford (guitarrista) prefere esquecer.

A questão é qualquer um que se atreva a tentar entender o que foi as Runaways irá sempre se deparar com um clima pesado, com essa “coisa não dita”, de uma violência e densidade grandes. Não que tudo que as outras membros sofreram não seja sério (assédio moral, negligência médica, bullying, isso tudo é coisa séria), mas o estupro de Jackie Fox é simplesmente chocante. E pior: ele explica todas as reticências de Edgeplay, o buraco no livro de Cherie Currie e a ficção completa que é o filme The Runaways.

Kim Fowley era conhecido na época por aliciar adolescentes. E agora várias pessoas têm vindo à tona para delatar seus malfeitos. Mas não adianta, Fowley morreu em janeiro desse ano e não está mais aqui para pagar pelo que fez. É triste saber que o homem morreu como um ícone extravagante da música e que todo mundo passou por cima de suas histórias de abuso durante décadas.

Jackie Fox demorou 40 anos para conseguir lidar com seu trauma e contar ao público o que realmente aconteceu naquela noite, quando tinha apenas 16 anos. Segundo ela, Fowley a drogou com qualudes, deitou-a numa cama num quarto cheio e estuprou-a na frente de um bando de adolescentes bêbados e drogados. De acordo com Jackie, ninguém fez nada.

Da esq. para dir.: Sandy West, Joan Jett, Kim Fowley, Lita Ford, Jackie Fox e Cherie Currie

O episódio já tinha corrido o risco de vir à tona anos antes, quando Cherie Currie lançou sua biografia. Na época o capítulo “A aula de sexo de Kim Fowley” contava sobre o produtor estuprando uma groupie em frente a toda a banda. O texto, que depois de certo ponto envolvia a dita groupie gostando do que estava acontecendo, foi retirado do livro depois que Jackie Fox processou Cherie Currie por calúnia. Segundo Fox na época, nada disso tinha acontecido.

E não aconteceu mesmo. A história que lemos no artigo do Huffington Post não tem nenhuma groupie, nem prazer nenhum. Ao invés disso é um relato assustador de como produtores abusam de mulheres na indústria musical enquanto o resto do mundo assiste pacificamente, sem fazer nada. Semanas seguintes, Jackie foi ensaiar com a banda e todo mundo agiu como se nada tivesse acontecido. Inclusive ela mesma, envolta em culpa e medo.

Ano passado a cantora Kesha veio a público com um processo contra seu produtor, Dr Luke, contando sua história de drogas e estupro, não muito diferente da de Jackie Fox. Kesha, assim como Jackie, teve medo de denunciar na época, como muitas vítimas de abuso sexual. O maior medo é de as pessoas não acreditarem nelas e sim nos homens poderosos (e criminosos).

Infelizmente, essa é a realidade. Depois da história devastadora de Jackie, suas ex-colegas de banda, que, segundo ela, foram testemunhas do estupro, não corroboraram sua história. Joan Jett e Cherie Currie negaram terem estado naquele quarto, mesmo que Jackie, no artigo do Huffington Post, tenha dito que não culpa ninguém pelo aconteceu e usa até mesmo um termo clínico, o Bystander Effect, para justificar por que quando um crime é perpetrado em frente a muitas testemunhas, nenhuma delas se coloca para ajudar a vítima. (Entenda um pouco do Bystander Effect aqui.)

Obviamente que Jackie Fox recebeu apoio. Segundo ela em sua página no Facebook, sua história fez com que centenas de mulheres tivessem coragem de revelar os próprios abusos que sofreram. Kari Krome (compositora) e Vicki Blue vieram se posicionar ao lado de Jackie, revelando as consequências daquela cena horrível de vioência em 1975: Krome relatou seu trauma com o que vira e os abusos sexuais que também sofreu de Fowley; Blue contou histórias perturbadoras de como o estupro de Jackie era uma piada constante quando estava na banda.

As negativas de Joan Jett e Cherie Currie, no entanto, não são apenas decepcionantes, mas também significativas. Sendo as figuras mais proeminentes ligadas à imagem das Runaways na mídia, a negativa delas desvalida a história de Jackie. Quando elas dizem “não vi nada” ou “não foi bem assim”, elas estão dizendo nas entrelinhas que é okay um produtor abusar de uma garota de 16 semi-consciente, que talvez a garota não tivesse tão inconsciente assim, que ninguém viu o que aconteceu, que talvez a garota não saiba exatamente o que está dizendo. NÃO! Temos que parar de duvidar de vítimas de abuso sexual. A culpa nunca é da vítima!

Vamos parar de sermos todos parte de um imenso Bystander Effect! Temos que mudar essa cultura doente em nossa sociedade em que normalizamos violência sexual e não fazemos nada. Em que ouvimos estupradores, mas duvidamos das vítimas. Temos que agir. E o primeiro passo é acreditar na vítima e ouvir o que ela tem a dizer. São 40 anos desde o estupro de Jackie Fox, mas continuamos agindo da mesma forma. Estamos fazendo as coisas do jeito errado a tempo demais.

6 Comentários

  1. Por tudo o que eu já li sobre a banda, não me surpreende em nada que algo assim tenha acontecido, e pior, como você disse no post, que continue acontecendo da mesma forma hoje em dia.

  2. Krome remembers waking up after the first incident and trying to talk to Jett and West. 1 “I told them he’s abusing me. I’m powerless, and I don’t know what to do,” Krome says. “They just looked at me blankly like I was the idiot. … I remember getting really mad and saying, ‘You know what? Watch your ass, because you might be next.’”

    • Tenso. Fowley sabia o que estava fazendo. Não era a toa que seus alvos eram Cherie, Kari e Jackie. Joan, Sandy e Lita eram duronas, nunca iam deixar ele fazer nada. Mas é um absurdo pensar nessa frieza das garotas com as colegas.

  3. https://www.facebook.com/CherieCurrieOfficial

    Megan Hucks

    All this shows is that she didn’t want you to profit off her rape. It wasn’t your story to tell. Seems to me like you must have seen something if you wrote about it. I don’t think someone not being ready to publicize having been raped makes it invalid when they are. This post and your other posts today make you look small, petty, and full of fear.

    Cherie Currie

    Small and full of fear? Kid, you don’t know what fear is. You are typical of todays culture. Grey. No black or white. It’s all the same. I hope one day you will give people the benefit of the doubt and not jump like you know something because you know nothing. You are small and small minded. As much as you want to put me down, I am far more experienced then you and braver. I respect people and that is something you do not possess. If something isn’t right I say it. I don’t jump on the bashing train like most do these days. I hope only the best for you.

    Vivicca A Whitsett

    You should be ashamed of yourself for not supporting Jackie and still siding with her rapist. Hopefully karma will take care of your pathetic ass.

    Cherie Currie

    I did support Jackie, Vivicca A Whitsett. I spent hours on the phone at Jackie’s request with the Huff Post. I sent them notarized, swore statements from Sandy West and Rick Cole who were there. As far as “brutal” rape? I know what that really is at the hands of a madman that kidnapped me in 1977 holding me for six hours breaking my face and almost killed me. Karma enough for you? I want to call you a pathetic ass because that is what you are but I can’t. You’re just ignorant and judgmental. Everything I never want to be.

  4. Ernesto Ribeiro

    https://www.facebook.com/CherieCurrieOfficial/posts/1148703311823255

    Cherie Currie

    My Birthday letter to Kim Fowley.

    Dear Kim,

    First, Happy Birthday. I was going to write something to you on this day before the confession/revelation happened with my ex-bandmate but now, it will have to be a longer letter. I have no bones to pick with you Kim. You and I have picked those bones clean. Now, even me writing this letter may cause a shit storm but we worked too many years, countless hours of conversation to come to the place of peace we both shared before you died and I will not let anyone chase me into a corner of Political Correctness. I have never been PC. It’s just not in my nature. I guess that’s why we were able to get to where we are today and for that I am grateful.

    There were so many reasons why I hated you for over three decades that we spoke about. The obvious verbal abuse and words you used to cut me to the bone when I was so young and which stretched into my adulthood when I spoke of it in the press.. When the IRS came knocking not long after I had left you and The Runaways saying I owed close to $20,000 in back taxes, money I never saw but was forced to pay. As you know from our conversations, 100.00 a month in 1977 was a lot of money and still is today, but I paid it, every month from 1977 to 1990 until my wonderful ex-husband, Robert Hays paid off the last few thousand after we were married. Every time I wrote out that check each month my heart grew blacker and heavier. You even tried to pin some of that income on my twin sister Marie but at least Dad could prove she never worked for you.

    Little did I know I was the only one in the band audited and I more then likely paid all the girls taxes since they were never sought by the IRS.

    You re-released my Capital Album with Marie in the mid 90’s in Australia right before we did filled with cruel liner notes. Worse yet, you sold far more albums then we did and it wasn’t your album to sell. Let me tell you (again) I wanted to take you down in 2000 for all these things with my new book deal and that was what I was going to do. But, as fate would have it, Jackie Fuchs stepped in with her threats of law suits convincing the book company I was a liability so I was dropped having to return my advance. I was angry because the Runaways was only a small part of my life story but she saved you. As the years past, my heart became so black, so heavy with hate, resentment and pain that there was little room for anything else. I finally came to the realization that I had to do something… All I was doing was hurting myself but I wanted answers. I wanted you to explain to me ‘why’ so I could forgive you and start that healing I so needed in my life.

    Not long after that realization, I saw you at a party at Houdini’s Castle a few years back. It was the trepidation that filled your eyes like you feared for your life is what I remember the most. At least you had heard me the other times we met where I threatened you, refusing to give forgiveness even a thought. This time, all I had to say was, “Kim, I don’t want to hate you anymore… will you agree to talk?” What a surprise when you didn’t hesitate to do so. I gave you my number and it was only shortly after that day my phone rang which was to be the start of the many marathon conversations that would change me as a person and begin the monumental task of scrapping over thirty years of the heavy, black like tar of hate from of my heart. You didn’t have to. It was a choice you made that showed me that maybe, you cared and through those many hours, you gave me no doubt that now, you did.

    The day came when you called to discuss my new book deal and a chapter called, “Kim Fowley’s Sex Education Class”. You said you would deny it. I said you were in good company because Jackie would as well but it had affected me and I had to write about it. Though I didn’t see what she claims you were wrong and you know it. You made no excuses that it was the culture of that time. Instead you told me you had made peace with Jackie and that you both speak fairly often. I was glad to hear that. Maybe you were lying. Shame will make a person do that, but I believed you. Why wouldn’t I? You had spent countless hours speaking to me. When the book came out, you did deny it as well as all those that are coming forward now. No one challenged it and there lies the irony. Had someone spoke up I would not have been able to defend you but I know in my heart you would have defended me. That I did stand up in protest and left followed by Sandy West, Rick Cole and another girl whom the Huff Post told me about yet refused to address in the article. Stupid rag. Wish I hadn’t given them the time of day but Jackie asked me to. I used to think the HP was the real deal. Not anymore.

    Kim, I spared you no expense in those many hours as I screamed, cried, accused and (to my astonishment) you stayed quiet. You listened, you explained compassionately and then that moment came that stunned my eyes dry. You started to sob. Jesus.. I can’t help but feel the tears again as I remember that moment. It took the wind right out of me. It still does. It was that moment I needed to power wash the remaining blackness that still clung to the walls of my heart. I listened intently since my cynical brain was refusing to accept such a happening. But, you were crying and then I heard, “I am so sorry…”.

    Kim, you allowed me to come full circle. To look back now without those feeling that would overwhelm and hurt so deeply. I know that those of us left here to contend with your bad choices, especially your wife Kara who is suffering greatly, your friends and song writing partners.. those that loved you 40 years after the fact will continue to love who you became. People do change. Not all, but you did and so did I and I thank you for the nine days I got to care for you towards the end of your life. You showed me a lot. You gave me a lot. You changed my life twice and I’ll always love you for it. I truly hope Sandy West met you at the door. There’s no doubt she made you feel at home.

    My heart today is with your wife Kara and may she weather this storm with dignity and strength.

    Happy Birthday Kim. Rest in Peace my friend.

    Cherie

  5. Jacki Fox conta tudo na TV no programa Crime Time:

    The Runaways’ Jackie Fuchs Tells Her Side of Kim Fowley Rape Story

    https://www.youtube.com/watch?v=ZwEfwXd9lnI

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