Ballet depois dos 20 anos – Parte III: A primeira vez nas pontas

Desde meu último post sobre minha experiência no ballet clássico (vocês podem ler aqui), muita coisa aconteceu. Aprendi novos passos, memorizei uma sequência de barra (oh yeah!), machuquei a perna direita (que ainda está em recuperação), fiz uma pequena sequência no centro sem parecer uma jaca podre, fiz uma aula aberta (e meu marido estava lá) e entrei na ponta!

Não adianta negar, todo mundo se empolga quando entra na ponta. Agora resta contar a vocês como foi.

Você vai entrar na ponta, só que não.

Nunca fui mega ansiosa pra entrar na ponta, não naquele estilo de ficar perguntando a professora, fazendo drama e bla bla bla. Pelo contrário. Sempre tive consciência que iria entrar na ponta quando estivesse tudo certo e o que restava era esperar. Meu maior medo era sair do ballet antes de entrar na ponta (vai que não dá pra conciliar os horários?).


Até que o dia chegou e a professora anunciou que eu ia entrar na ponta. Hoooray! Foi bonitinho. Ela juntou as outras meninas e uma das pequenas deu o anúncio toda feliz. Okay. Hora de escolher sapatilha, o número certo, pesquisar na internet e talz. No meu horário de aula, eu fui a única a entrar na ponta esse ano. A maior parte da turma já está na ponta desde o ano passado. Mas eu tentei ficar tranquila. Que chegasse a hora. E que enquanto isso eu fizesse minhas pesquisas.

Mas quem me conhece sabe que pra mim as coisas mais absurdas acontecem. Não tinha sapatilha do meu número, não tinha nem enchimento. Paciência. Um mês de paciência. Aí a ponta chegou. Toda linda e rosa, com o cheiro mais gostoso do mundo! E eu fiquei toda empolgada. No dia que a sapatilha chegou, era aula de ponta das meninas e a única coisa que eu pensei foi: “Geeeeeente, essa é a minha última aula de meia ponta”. Que coisa. E lá fui pro fim da minha vida mansa de plié-elevé.

Minha sapatilha. Capezio Partner Student 183.

Costurando o elástico: a saga

E assim terminou minha última aula de meia ponta. Minhas colegas de turma estavam fazendo o maior medo em mim por causa da ponta futura. Restava costurar o elástico. Do lado da academia, tem um costureira e eu fui pedi-la pra costurar o elástico pra mim. Levei as colegas de ballet de backup, porque né, eu sou tímida. rs

A mulher se recusou a costurar (não falei que minhas histórias são estranhas?). Beleza. Então euzinha teria que fazer o serviço. Perguntei as meninas tipo umas 47 vezes como/onde costurar o elástico. Passei numa lojinha, comprei linha e agulha e fui pra casa costurar. Eu estava convencida que conseguiria: afinal, não poderia ser muito difícil, podia?

Ledo engano.

Depois de tentar começar e não conseguir, fucei na internet uns vídeos de como costurar elástico (inclusive, esse vídeo aqui é bem legal. Queria ter visto antes de costurar o meu elástico. Só lembrando que as dicas de quebrar a sapatilha não são legais pra sapatilhas student. Então cuidado. Em inglês, mas dá pra entender pelas imagens). Aí comecei o processo só que o elástico esfacelou na minha mão. Isso mesmo. O elástico esfacelou na minha mão. É. Tive que fazer uma emenda e o que era pra virar dois elásticos virou um que estava literalmente indo embora.

Mas costurou. E eu furei o dedo na agulha, saiu sangue que sujou o cetim da sapatilha maaaaaaaas eu consegui tirar com sabão branco. Então dica: se você tem as mesmas habilidades de costureira que um elefante com astigmatismo, peça ajuda a alguém. 🙂

E eu que achei que colocar linha na agulha ia ser difícil.

En pointe! Só que não…

Então chegou o grande dia. Primeira aula de ponta! Não. De madrugada eu passei mal, fui parar no hospital com intoxicação alimentar. Sim. Perdi minha primeira aula de ponta. Fiquei em casa meio deprê, vomitando e assistindo vídeos de ballet pra me animar.

Life sucks.

Agora sim: en pointe!

Então chegou a outra aula. Sinceramente eu nem esperava que fosse aula de ponta, achei que ia ser aula de barra, mas a professora resolveu que ia ser ponta. Pronto. As meninas – queridas coleguinhas – surtaram. Na verdade, todo mundo estava super empolgado. E eu fiquei meio perdidona e medrosa.

A sensação que tive ao calçar a sapatilha pra valer (eu já tinha calçado em casa, mas só tinha tentado fazer meia ponta) foi a de que eu tinha um pé de pato no pé. Sei lá. Eu sentia que estava andando muito engraçado.

E aí fomos pra barra. Aquecimento. Uhuuuuuuuuuuuuu! Consegui fazer meia ponta. Mais aquecimento. Okay, agora é pra valer. Primeira posição. Pontaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!

* Colegas surtando ao fundo *

Minha impressão? Bem, que dói muito menos do que pensei. Rola um desconforto, uma sensação de que seu pé vai sair da sapatilha a qualquer momento e você vai cair, mas não senti dor dor dor. Não sei, eu tenho uma boa resistência à dor, então pode ser isso também. Ou vai ver a professora foi boazinha e não deu exercício pesado na minha primeira aula.

Algumas pessoas já me perguntaram porque tanta alegria em voluntariamente colocar o pé dentro dentro de uma sapatilha apertada e com gesso que vai gerar bolhas e calos, mas essas pessoas não entendem ballet clássico. Toda grande bailarina um dia teve sua primeira aula de ponta, então começar na ponta é como ser parte de uma longa tradição de mulheres (e porque não, alguns homens também) no ballet clássico. É como se todas (e todos) nos sentíssemos parte de um mesmo grupo, que compartilha um mesmo desejo louco de dançar na ponta dos pés.

Eu sei que todo mundo fala da Zakharova, mas eu simplesmente adoro a Gillian Murphy.

Agora é muito trabalho pela frente.

Eu agradeço imensamente às meninas do ballet (fofas!) que têm paciência com a tia lerdinha. Eu me divirto e aprendo com vocês todos os dias. Agradeço também minha professora que além de ótima, tem bastante paciência e sempre me incentiva. Realmente, eu tive muita sorte. 🙂 Finalmente, agradeço o marido, que desde o começo me incentivou a fazer ballet e está sempre lá para tirar fotos e ser um fofo.

Esse post é dedicado à Cássia Pires, do blog Dos Passos da Bailarina, que foi quem pediu um relato detalhado da minha experiência na ponta. 🙂 Cássia, o seu blog ajuda bailarinas adultas sem conta. Obrigada.

Ah, eu tenho um conto baseado no ballet O Lago dos Cisnes. Para quem se interessar, “A Morte do Cisne” está publicado no livro Noites Negras de Natal e outras histórias. Dá pra saber mais dele aqui.


6 Comentários

  1. No primeiro local que eu fazia aula eu comecei a fazer aula de ponta. Mas seis meses depois eu tive que sair. Agora, mais ou menos um ano e meio depois eu voltei, porém em outro lugar. Então estou na meia ponta de novo, porque perdi muito ritmo (e alongamento) e eu tenho que fazer a avaliação para saber meu nível certo.
    Eu também não era aquela pessoa que ficava direto “Mas quando eu vou para a ponta?” Eu entendo completamente as limitações de começar o ballet com uma certa idade e eu realmente não queria ter nenhuma complicação futura. Eu faço ballet e jazz como forma de distração e atividade física!
    Foi um sufoco para comprar a sapatilha! Eu calço 40, logo, minha sapatilha teve que ser 42. E o pior de tudo: meu pé é largo. Junto com a professora, fizemos a análise do meu pé e fomos na loja comprar. Teve que ser uma profissional porque nenhuma de estudante deu. Mas no final foi bom: meu pé é super forte, então a sapatilha não iria durar nada. O que foi mais difícil foi conseguir o equilíbrio com ela.
    Eu achei que iria doer mais. Sério! É desconfortável mas eu não senti dor. A minha unha não quebrou. Não tive bolhas nos pés. Eu só fazia meia hora por dia (porque estava no começo), mas com esparadrapo e o protetor foi bem tranquilo.
    O que eu achei muito difícil foi se equilibrar na ponta sem segurar na barra. Eu tinha muito medo de largar a barra. Quando eu consegui, fiquei andando de um lado pra outro na sala hahaha!
    Infelizmente, durante o tempo que eu fiz, só aprendi o basicão mesmo. Nada de giros na ponta. Mas fizemos uma coreografia de iniciante que ficou muito linda. Espero que eu volte pra ponta – mas é claro, quando eu estiver preparada! ^.~

    • Lany, você também é companheira do ballet!

      Eu imagino que ficar parada deve ser difícil e é incrível como a gente perde rápido as habilidades adquiridas. Eu machuquei a perna direita (vai fazer quatro meses) e meu alongamento retrocedeu muito. É chato e frustrante, mas não adianta forçar e se machucar mais, né?

      Equilíbrio na sapatilha de ponta é mesmo complicado. A minha, como é de estudante, tem biqueira quadrada e um corino na ponta, mas mesmo assim dá um medinho de cair. Quanto a girar na ponta… ai ai ai. Meus giros na meia ponta já são ruinzinhos (começaram a melhorar tem pouco tempo). Imagina na ponta!

      Quanto a unhas quebradas e bolhas, depois eu te conto. E me conta quando voltar pra ponta! 🙂

  2. Melissa, fui lendo o post, pensando no meu comentário quando chegasse ao final, aí leio isto: “Esse post é dedicado à Cássia Pires…”. Faltei chorar. *-* Muito obrigada por compartilhar suas vitórias comigo. Para mim, uma das grandes vantagens de ser uma bailarina adulta é ter plena consciência desse momento da ponta. De lembrar disso para sempre. De saber que foi complicado chegar até aí. Sem falar que só mesmo passando por isso para saber, é como entrar para um clube, né? Hehehe. Comigo foi assim: eu subi nas pontas num dia, ensaiei (ãrrã) brevemente e minha primeira aula de ponta aconteceu uma semana depois. Foi bem complicada, eu não usei ponteira (ãrrã de novo) e sofri tanto, mas tanto… Se quiser, qualquer dia te conto em detalhes. Adorei ler o seu relato e fiquei muito feliz por mais essa etapa da sua história na dança, querida bailarina! Ah, e Gillian Murphy é diva! Sem mais.

    Beijo imenso.

    • Cássia, seu blog me ajudou horrores, você não faz ideia. Não tinha como não dedicar um post mega detalhado pra você. 🙂

      Ser uma bailarina adulta tem várias dificuldades. Mas a gente é mesmo mais consciente e valoriza mais cada passo dado. O dia que dei minha primeira pirueta dupla, por exemplo, foi dia de festa. Eu fiquei tão feliz que saí pulando pela sala. Claro que existe uma possibilidade de cairmos na frustração. Aqueles velhos nãos: não tenho perna alta, não tenho alongamento, não tenho isso, não tenho aquilo. Se entrarmos nessa, acabou, nem dá pra continuar no ballet. Mas eu preferi trilhar um caminho de contar as vitórias: aquele tantinho a mais que a perna subiu, aquele passé en dehors lindão, aquele salto que saiu legal. Assim, a gente consegue conviver com nossas limitações e ainda aspirar algo mais. Um dos motivos que gosto tanto do seu blog, é porque ele segue essa filosofia (não sei se tinha isso antes de ler seu blog, se ele me ajudou a pensar assim, ou se nos encontramos, vai saber). É ser realista, sem ser derrotista. Nada de ilusões, mas muita motivação.

      🙂

  3. Melissa!
    Que blog lindo esse seu! Acabei de ler seu relato e me lembrei do meu primeiro dia na ponta. Quanta nostalgia e quanta anotação no caderno o ballet traz pra gente. Fiquei feliz.

    Beijinhos!

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