Not the life it seems: The true lives of My Chemical Romance

Ano passado eu tive a surpresa de encontrar Not the life it seems: The true lives of My Chemical Romance, uma biografia da banda estado-unidense que foi um grande expoente do rock alternativo nos anos 2000. O autor é o aclamado jornalista da Kerrang! e do The Guardian Tom Bryant, crítico de música e admirador da banda. Com um olhar atento e consistente, Bryant nos revela um retrato detalhado e crítico do My Chemical Romance, mas também um relato sensível que mostra a voz dos membros da banda.

Se você é fã do MCR ou de rock, tem que ler essa biografia.


Tom Bryant começa seu livro contando sua primeira entrevista com o My Chemical Romance em 2004, pouco antes do lançamento do álbum que os tornou famosos, Three Cheers for Sweet Revenge. A história é bastante simples e já dita o tom que Bryant irá abordar: após tirarem fotos e responderem perguntas, o jornalista conversa brevemente com Gerard, Frank, Ray, Mikey e Bob e diz que todos foram extremamente simpáticos e amigáveis apesar de estarem imundos e fedendo depois do show. Ao ir embora, Bryant divide um táxi com Gerard Way. Com a chuva intensa, o táxi embaça e começa a ficar quente. A jaqueta fedida de Gerard toma conta do carro inteiro e o vocalista diz: “Você sabe que está ruim quando enoja até a você mesmo” e sorri.

Nada de ídolos inatingíveis ou rockstars com vidas glamourosas. Not the life it seems foca na vida de pessoas comuns que realizaram um trabalho extraordinário. Em seus 21 capítulos, a história da banda vai sendo construída através de anedotas, entrevistas e conversas com os próprios músicos e outros artistas e produtores. A leitura é bastante fluida e possui eventuais análises do cenário musical da década 2000 (como é estranho se referer a esse período como uma década rs).

Cena do show The Black Parade is Dead.

Eu sou uma grande fã de My Chemical Romance e fiquei bastante satisefita com a leitura. O livro conseguiu me trazer coisas novas, fazer uma reflexão sobre o rock nos anos 2000 (interesante ver uma análise de um período que eu vivi) e me emocionar em diversas passagens. Foi um retrato muito interessante e delicado do MCR, valorizando os feitos da banda, mas também apontando seus vários problemas.

Cada capítulo tem o título de uma música do My Chemical Romance, o que foi um toque bastante divertido para os fãs. Começamos com “Give ´em hell, kid” que conta a infância e adolescência de Gerard, Mikey, Frank e Ray em Nova Jersey e termina com “Dead!”, considerações finais sobre o fim da banda em 2013. O próprio título do livro tem duas referências à banda: o hino de 2004 “I’m not okay” e uma brincadeira com o subtítulo do quarto álbum de estúdio do MCR.

O início da banda, a Warped Tour que os consagrou em 2004, os problemas com drogas, a ausência de groupies, o discurso anti-violência, a condenação da mídia, a hipermediação da banda, o cansaço, a gravação do épico The Black Parade, a turnê com o Green Day, os shows, a eterna mudança de baterista sem muitas explicações, a gravação falida de um álbum inteiro, o retorno, o fim do rock na rádio, o fim da banda. Tudo está lá ao longo de 320 páginas que eu li em poucos dias.

Frank, Gerard, Mikey e Ray.

Bryant escreve de forma bastante envolvente e suas entrevistas posteriores com os membros da banda colorem o livro. É interessante o retrato que ele pinta de cada um: Gerard Way, o gênio emotivo e tumultuado, mas também extremamente focado; Mikey Way, um cara sociável e boa praça que se envolve na banda do irmão para encontrar um furacão emocional; Ray Toro, um instrumentista virtuoso e sensível, mas também perdido em seu próprio estilo; e Frank Iero, a força passional do My Chemical Romance, mas ao mesmo tempo um rapaz gentil e quase tímido.

Em toda biografia de expoentes do rock, sempre ficamos assombrados com algum personagem que nos emociona mais. No documentário sobre as Runaways, Edgeplay, me lembro do impacto que tive com Sandy West: era quase hipnótico vê-la falar. Em Not the life it seems, quem mais me tirou do chão não foi Gerard Way (que foi sempre meu favorito na banda), mas Frank Iero. Em suas entrevistas e considerações em conversas com Bryant, dá vontade de dar um abraço nele.

O livro, claro, conta várias intrigas, mas o que me chamou a atenção são as considerações de Tom Bryant sobre o fim do My Chemical Romance em 2013. Para Bryant, não foi Gerard o responsável pelo fim da banda. Para ele, o MCR terminou por causa de Frank Iero. Quando ele apresenta esse argumento a partir de uma conversa com o produtor Bob Cavallo, a coisa toda toma um rumo angustiante, mas que faz muito sentido.

Frank Iero

Frank era o anti-MCR. Ele era o punk em meio à melodia. Depois de The Black Parade, segundo a análise de Bryant, a banda começou a apresentar certas mudanças em seu estilo musical e em sua identidade. Isso dificultou a ação de Frank. Se ele é o anti-MCR, como ele pode existir numa banda que está em mutação? Bob Cavallo conta que nas gravações de Danger Days, pela primeira vez, Frank teve discussões com Ray a respeito de estilo de guitarra. Frank começou a ficar sem lugar e isso ressaltou vários problemas que já existiam antes.

O livro termina, obviamente, com um grande elogio à inovação e à originalidade do My Chemical Romance, mas também com um lamento pelo buraco que eles deixaram no rock alternativo. Quem ousou navegar por essas águas da teatralidade? Até agora ninguém. Mas o que arranca lágrimas mesmo é a última página, a reprodução de uma conversa entre Bryant e Frank Iero quando o último diz:

Acho que não estava no destino fazermos isso para sempre. Mas não quer dizer que eu não desejaria que tivéssemos.

Pronto. Brutal. Acabou. Que nem o My Chemical Romance.

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