O que é a verdade, o que é ser mulher e o que isso tudo tem a ver com The Runaways

Então, vamos começar do começo. E esse começo vem de uma idéia antiga para um post complicado sobre essa questão básica de “O que significa ser mulher? O que é expressar feminilidade?”. É o tipo de pergunta que não tem uma resposta pronta, direta. É o tipo de coisa que a gente pode divagar, discutir, pensar junto. Acredito que não possa ser respondido. E isso só daria um post – dando continuidade ao post da Sandy – enorme . Enorme mas talvez que as pessoas não fossem achar interessante porque seria longo e meio repetitivo. O que me leva à questão da verdade, que até comecei a questionar no post sobre o Carnaval, mas que também daria uma discussão longa e repetitiva. Me veio então a idéia de outro post sobre The Runaways que também seria longo e cansativo. A solução? Juntar os três temas numa coisa só.

Estudar crítica feminina abriu a minha cabeça, sério. Sempre tive um grande preconceito contra a crítica literária feminista, grande parte devido a interpretações errôneas e aulas fuleiras sobre literatura americana do século XX. Na minha concepção feminismo era uma coisa ultra radical, meio forçada, idealista, beirando o sem noção. No entanto, pesquisando Margaret Atwood fui forçada a ler crícia feminista e meu primeiro contato foi com Sandra Gilbert e Susan Gubar na edição mais recente da Northon Anthology of Literature by Women [Antologia Northon de Literatura Feminina, em tradução livre], uma tora de dois volumes com mais de duas mil páginas! Confesso que comecei a ler a introdução com o pé atrás, mas logo no primeiro capítulo, sobre os primeiros textos escritos por mulheres na Idade Média, meu mundo mudou. Devorei os textos teóricos numa rapidez incrível. Tomei total consciência de toda a luta das mulheres nos últimos séculos e constatei  com comprovações teóricas o que já tinha percebido intuitivamente ao longo dos anos: que ser mulher é uma construção.

Eu recomendo a todos aqueles que tenham qualquer interesse em começar a estudar construção do imaginário (seja ele de raça, gênero, classe social) a leitura dos textos teóricos dessa antologia e/ou o livro A Madwoman in the Attic, das autoras acima mencionadas. É um panorama muito bem pesquisado e muito bem escrito (ou seja, rende uma leitura prazerosa) que mostra de século em século a construção da sociedade em torno do que é considerado, hoje, uma mulher e consequentemente, o que cabe a ela fazer ou não fazer.

A coisa parece bem óbvia, mas o buraco é mais embaixo. Grande parte do que li, já tinha percebido pelas idas e vindas da vida, mas confesso que fiquei muito mais atenta a questões mais sutis. O discurso sobre a mulher tem sido contestado de uma maneira mais, digamos, universal a pouco mais de um século e algumas construções ficam na nossa cabeça sem que a gente perceba. Por exemplo, a famosa frase “Mas uma mulher fazendo isso.!..” ou aquele comentário maldoso “Se fosse homem, até que vai, mas mulher…”. Claro que temos que tomar cuidado para não cair em radicalismos e sair por aí com a bandeira que mulheres são melhores que homens e que os homens que se explodam. A questão não é superação, é igualdade. O que me leva a The Runaways.

The Runaways é meu novo vício. Sou uma pessoa extremamente passional e quando cismo com uma coisa, não largo. Então nas últimas semanas tenho dedicado meu pouco tempo livre a pesquisar a história da primeira banda de rock só de garotas. Pesquisei em tudo quanto é lugar. Wikipedia, blogs obscuros, Youtube, sites de música, blogs de ex-integrantes da banda, e-books, entrevistas, documentários. E o que encontrei? Bem, resistência. É impressionante. Cinco garotas cantando rock incomoda muita gente, mas cinco garotas cantando rock falando de sexo e festa incomoda muito mais.

Incomoda até os marmanjos que falam de sexo e festa.

Cara, eu gostei MUITO da banda. Gostei do som, gostei da interpretação. Achei forte, mexeu comigo. E é isso que procuro em música, em arte em geral, coisas que mexem comigo, que me fazem sentir alguma coisa. Foi uma banda montada? Foi. Mas foi uma banda fake? Hum não. Na minha opinião o que elas fizeram foi genuíno, chega a ser imaturo em algumas partes, mas foi algo delas. Um modo de se expressar num mundo turbulento que simplesmente aceitava que garotas ficassem em portas de show pra transar com os caras da banda, mas não aceitava que as garotas fossem a banda.

The Runaways nunca foi sucesso nos Estados Unidos, apesar de ter sido uma banda considerada na Europa e uma febre no Japão (com direito a album ao vivo gravado por lá, meu favorito por sinal, Live in Japan). Engraçado o comentário de Jackie Fox, ex-baixista, em seu extinto site: The Runaways era revolucionário demais para o público masculino conservador mas era sexy demais para as feministas radicais o que resultou em uma baixa popularidade nos EUA. A banda era taxada de poser, antro de promiscuidade, transmissora de valores degradantes da sociedade. Ué, mas se você pegar uma letra de música do Led Zeppelin, vai encontrar a mesma coisa. Então qual o problema?

O problema é que mulher transgressora é taxada, primeiramente, de louca. Se o lance de louca não funcionar, vem o o rótulo de lésbica. Se o de lésbica não funcionar, bem, aí não se tem escolha e vem o de prostituta promíscua. Aí não tem jeito, a mulher fica marginalizada, excluída e sofre preconceito sem nem mesmo ter sua voz ouvida. Todo mundo tem direito de não gostar de determinada música, o problema é que a crítica às Runaways sempre pegava no lado “volta pra casa, garotas”.

Nesse sentido, ouvir Joan Jett, aos 16 anos, cantando o trecho abaixo é no mínimo revelador:

Wild in the streets, barely alive
Mama’s always telling me stay inside
Don’t you hang around with those young boys
Soon you’ll be lovin’ them
They’re all night toys

Hot love hear, I got the drive
Neighbours been bugging me I gotta hide
I am the bitch with the hot guitar
I am the air, the sun and stars

I wanna be where the boys are
I wanna fight how the boys fight
I wanna love how the boys love
I wanna be where the boys are

Talvez Kim Fowley, produtor da banda, (figurinha bem questionável) não tenha pensado nas implicações do que estava escrevendo, assim, só pra chocar, mas ao colocar Jett para cantar e interpretar a música, as palavras ganham novo valor. A questão não é ficar com os garotos pra ser uma vadia promíscua e sim ter a oportunidade de fazer as mesmas escolhas que os garotos, de poder dizer que sim ou poder dizer que não.


Obviamente idealizar qualquer coisa na vida pode ser algo muito perigoso (e cegante!). O que nos leva de volta à questão da verdade. Muita informação sobre The Runaways é extremamente contraditória e isso fica evidente no filme Edgeplay, um documentário produzido por Victory Trishler-Blue, ex-baixista da banda. No filme, cinco ex-integrantes [Cherrie Currie (vocalista), Lita Ford (guitarrista solo),  Jackie Fox (baixista até 1977), Vicki Blue (baixista de 77 a 79) e Sandy West (bateirista)] contam sua versão do que realmente aconteceu desde a idealização do grupo em 1975 até o turbulento fim em 1980. É impressionante como a versão dos fatos é contada de uma maneira diferente por cada integrante e o fato de Joan Jett ter se recusado a participar do filme e proibir que suas músicas fossem usadas na trilha é, no mínimo, instigante.

Onde está a verdade? Existe uma verdade? The Runaways foi uma banda revolucionária de garotas cheias de atitude ou foi uma idéia louca de um produtor que explorou tudo o que pode de adolescentes frágeis mas talentosas?

A minha conclusão é de que a verdade, e principalmente, a verdade sobre mulheres sempre é uma mistura das duas coisas. Tudo começa com uma idéia e essa idéia é sugada e apropriada até se tornar uma coisa completamente diferente que apenas apóia o “poder do patriarcado” (odeio usar essa expressão, mas é necessário). Mulheres são sempre vistas como extremos, mas talvez o que seja necessário é ver que somos o meio. Que somos revolucionárias, mas que somos frágeis; que vamos à luta, mas que temos medo; que fazemos muito barulho, mas que queremos paz; que somos simplesmente seres humanos.


Let me tell you what we´ve been doing
Neon angels on the road to ruin



2 Comentários

  1. Pingback:5 Coisas que eles te falaram sobre o Feminismo (e que você acreditou) « Mundo de Coisas Minhas

  2. Beleza, Melissa.

    Muito bem. Vamos então compartilhar informações interessantes. Algumas chocantes, outras divertidas. Inclusive sobre MATRIARCALISMO — a primeira civilização, que imperou no Período Neolítico, de onde vieram as pré-históricas Guerreiras Amazonas e a avançadíssima Civilização Matriarcal Minóica da Ilha de Creta.

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